O post sobre o trabalho do instituto de criminalística cita o caso da menina Vitória e sua mãe que fora acusada de intoxicar a criança com cocaína. O caso serve de lição para que não se emita laudos preliminares sobre testes presuntivos de drogas e sim só os definitivo para que não se cometa injustiças como essas. Segue o caso abaixo.
(In)justiça Brasileira: Caso do “Monstro da Mamadeira”
Tendo como pano de fundo a cena macabra da violência no Brasil, os
meios de comunicação de massa começaram a divulgar, no dia 30 de outubro
de 2006, uma segunda-feira, a história de uma mãe assassina, logo
tachada de “monstro da mamadeira”. Mas desde o início era possível
perceber, nas entrelinhas das notícias, que algo não era coerente nesta
história.
Setores da mídia, da polícia civil, do
Ministério Público, da Justiça e, neste caso, do corpo médico de um
hospital e de um pronto-socorro literalmente “jogaram a mãe às feras”.
Isto é, com estardalhaço, promoveram na mídia uma campanha pela sua
condenação a priori por ter matado a filha com uma overdose de cocaína
na mamadeira e “soltaram-na” em uma cadeia feminina, a Cadeia Pública de
Pindamonhagaba, praticamente incentivando e promovendo os atos de
espancamento das outras presas. Insufladas por programas
sensacionalistas de televisão e de rádio a ficarem indignadas com o
suposto crime, as presas jogaram-se contra o “bicho da mamadeira”, uma
vingança cega que costuma acontecer, tolerada, quando não promovida
pelas autoridades. O resultado era previsível e era isso que pretendiam
estes setores ligados direta ou indiretamente ao Estado. Mais tarde,
quando pôde falar aos jornalistas, a mãe contou que enfiaram uma caneta
pela metade no seu ouvido e espancaram-na por horas, sem que as
autoridades da prisão fizessem alguma coisa para estancar esta
selvageria, causando danos irreversíveis aos ouvidos, à capacidade de
visão e fratura do maxilar da mãe acusada. Tudo aconteceu como se fosse
um complô orquestrado por vários setores institucionais contra uma pobre
moça, mãe solteira.
A história aconteceu com Daniele Toledo do Prado,
então com 21 anos, mãe de duas crianças, moradora da cidade de Taubaté
(interior do Estado de São Paulo). Ela estudou até completar o segundo
grau, foi recepcionista em um consultório de psicóloga e atendente do
Pronto-Atendimento de Tremembé, mas parou de trabalhar por causa dos
problemas de saúde de sua filha menor, que tendo nascido prematura,
sempre teve convulsões e desmaios. Morava com o pai, a mãe, dois irmãos
de 17 e 19 anos e os dois filhos, mas tinha planos de casamento com o
pai do filho mais velho, de 3 anos.
Em 30 de setembro de 2006 ela internou sua filha menor, Victória
Maria Iori Carvalho, de 1 ano e 3 meses, no Hospital Universitário de
Taubaté (da UNITAU, universidade privada), com sintomas de convulsões e
vômito. No dia 8 de outubro, com sua filha ainda internada, Daniele foi
estuprada dentro do hospital por um médico residente, estudante do 5º
ano de medicina dessa instituição, cujo nome as notícias da imprensa
nunca revelaram. Segundo o relato de Daniele, sua filha teria sido
ameaçada caso ela não consentisse em ter relações sexuais.
No dia seguinte ao estupro, 9 de outubro, Daniele fez a denúncia do
caso na Delegacia de Investigações Gerais (DIG), de Taubaté. O delegado
titular, Paulo Roberto Rodrigues, ficou responsável pelas investigações
do caso. Daniele prestou depoimento e reconheceu o estudante de medicina
através de uma fotografia. Este também prestou depoimento no dia 16 de
outubro e negou veementemente ter mantido qualquer tipo de relação com
Daniele. A Universidade divulgou uma nota à imprensa sobre o caso,
informando ter aberto uma sindicância. No processo de investigação, a
polícia recolheu amostra do sêmen do estudante para realizar um exame de
DNA, informou que o exame seria enviado para São Paulo, e que
possivelmente seu resultado sairia no final da primeira quinzena de
novembro de 2006. Daniele, seguindo as orientações das autoridades
policiais, fez exame de corpo de delito no IML (Instituto Médico Legal),
que confirmou o estupro.
Mas o enredo da cocaína começou, na verdade, bem antes da morte de
Victória. Depois da denúncia de estupro, porém antes da morte da filha,
Daniele foi novamente chamada à delegacia no dia 19 de outubro pois os
médicos denunciaram ter encontrado um pó branco suspeito de ser cocaína
no pescoço de sua filha. Sem a autorização da mãe foram recolhidas
amostras de sangue e de urina da criança. O resultado desse exame deu
negativo: dessa vez ainda não era a cocaína com a qual buscavam
incriminar Daniele e desqualificar sua denúncia de estupro contra o
quintanista de medicina.
Durante a internação os médicos investigaram na menina um quadro de
má formação cerebral, problemas de metabolismo, epilepsia, amidalite
aguda, infecção do trato urinário e convulsões. Apesar desse quadro,
deram-lhe alta em 25 de outubro porque, argumentaram depois, a menina
estava bem, corada, hidratada e poderia continuar o tratamento em casa.
Mas – detalhe importante nesta história – na ocasião da alta o corpo
médico enviou um ofício ao Conselho Tutelar informando a necessidade de
acompanhamento da mãe em razão de um “possível trauma psicológico”.
No dia 28 de outubro, um sábado, o drama se repetiu: a criança mais
uma vez passou mal, seu quadro era de convulsões, vômito e desmaios. Em
primeiro lugar Daniele tentou voltar ao Hospital Universitário, já que
tinha uma carta assinada por duas médicas, autorizando-a a voltar a
internar a filha caso houvesse algum problema. Mas o hospital recusou-a.
Levou então sua filha até Pronto-Socorro Municipal de Taubaté, onde
chegou às 20h30. No entanto, embora desmaiada, a menina só foi atendida
às 4h25 da madrugada de domingo, momento em que recebeu glicose em soro.
Foi nesse instante que foi coletada uma substância branca da língua da
criança, na procura incessante da cocaína que iria incriminar a mãe. Às
10h40 de domingo, dia 29 de outubro, Victória morria depois da terceira
parada cardiorespiratória.
Como contou Daniele aos jornalistas, quando foi liberada da prisão,
após a morte de sua filha, antes mesmo de ela tomar consciência plena do
que estava acontecendo, foi arrastada pelo braço pela médica
plantonista do Pronto-Socorro, Dra. Érika Skamarakis, até a sala onde estava o corpo de Victória e ouviu-a acusar: “Olha o que você fez, sua assassina. Encara o que você fez, monstro”.
Qual é o código médico que permite a uma profissional, em momento tão
doloroso para uma mãe, fazer uma acusação dessas sem nenhuma prova? Fica
transparente a intenção, já demonstrada anteriormente à morte da
criança, de incriminar Daniele para desqualificar sua denúncia de
estupro.
A partir dessa acusação, endossada pelo corpo médico, as coisas se
precipitaram. Teria sido feito pelo Instituto de Criminalística de
Taubaté um exame toxicológico preliminar (mais tarde especificado como
sendo um exame rotineiro, o Blue Test) e o resultado deu
positivo para a presença de cocaína. Foi o que declarou o Dr. Paulo
Roberto Rodrigues, da Delegacia de Investigações Gerais (DIG) de
Taubaté, o mesmo que estaria investigando o estupro sofrido por Daniele.
Sem mandato de busca e apreensão, pois segundo esse mesmo delegado, “a
suspeita autorizou a busca”, os policiais foram até a casa de Daniele.
Ao entrarem para a vistoria, só estava o filho mais velho de Daniele, um
menino de três anos. Lá os policiais recolheram uma mamadeira com o tal
pó branco, que também foi analisado e também deu resultado positivo.
Daniele foi presa em flagrante e encaminhada à noite para a Cadeia
Pública de Pindamonhagaba. Pela manhã as presas já haviam visto os
noticiários televisivos e jogaram-se contra aquele suposto “monstro da
mamadeira” para liberar suas mágoas recalcadas. As autoridades fizeram
sua parte na culpabilização imediata, sem investigação e nem julgamento,
da suposta “mãe assassina”.
O delegado titular da Delegacia de Investigações Gerais (DIG), Paulo
Roberto Rodrigues, fez declarações lapidares para tentar explicar e
tornar natural o crime da mãe. “Foi um homicídio doloso (com intenção ou
noção de risco). A mãe ministrava cocaína na mamadeira da criança. Ela
morreu de overdose. (…) No inquérito, ela não soube explicar o que
aconteceu. Ela diz que tem lampejos de memória e que não sabe o que faz.
Não pode dizer que ministrou, mas também não pode negar. (…) Ela diz
que foi usuária durante cinco anos, mas que está há quatro anos e oito
meses sem usar cocaína”. Disse também: “Por analogia é bem provável que
essa intoxicação da criança viesse ocorrendo há algum tempo”. A mãe já
fora transformada em uma cocainômana irresponsável e desmemoriada.
Na Cadeia Pública de Pindamonhagaba Daniele foi espancada por 19
presas durante horas, mais precisamente, das 3hs às 7hs, teve fratura do
maxilar e apresentava hematomas por toda a cabeça. Ao final do dia 30
de outubro, uma segunda-feira, foi levada para o Pronto Socorro da Santa
Casa de Pinhamonhagaba. Permaneceu desacordada e a Santa Casa chegou a
cogitar de seu envio para uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Durante esse tempo não pôde ter a visita de sua advogada, Dra. Gladiva
de Almeida Ribeiro, e nem de seus pais, que sequer tiveram o direito de
ter notícias sobre seu estado de saúde. Sua mãe só conseguiu vê-la
depois de 15 dias dos acontecimentos. No hospital esteve sempre
escoltada por policiais. Com um quadro de traumatismo craniano e lesão
neurocerebral, surpreendentemente ela teve alta depois de três dias e
foi encaminhada, em 2 de novembro, para a Cadeia Pública de Caçapava.
Foi preciso que a advogada, Dra. Gladiva, conseguisse uma autorização
para levar sua cliente ao Pronto-Socorro de Caçapava.
Situação da investigação: No que se refere à punição do suposto crime
da mãe, a Justiça foi célere e expeditiva. Ainda na semana iniciada dia
6 de novembro a Promotoria do Júri de Taubaté ofereceu denúncia do caso
à Justiça. O promotor, João Carlos Maia, pedia a condenação de Daniele
pelo crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e
emprego de meios cruéis, com agravantes em relação à idade da vítima e
ao parentesco. Com presteza o juiz Marco Antonio Montemor, da Vara do
Júri da Comarca de Taubaté, aceitou a denúncia. Segundo o promotor acima
citado, a denúncia foi recebida pela Justiça dia 9 de novembro.
Quanto ao espancamento de Daniele na Cadeia Pública de
Pindamonhagaba, ele também é objeto de um inquérito. Para tanto, no dia
13 de novembro, ela foi ouvida em depoimento, durante duas horas, na
Penitenciária Feminina de Tremembé (para onde havia sido transferida)
pelo delegado seccional assistente de Taubaté. Nesse depoimento, na
presença de sua advogada, Daniele relatou o que sofreu e identificou as
presas agressoras.
Por outro lado, o processo relativo ao estupro de Daniele chegou a um
ponto morto. Como já se disse, o IML atestou que ela foi violentada.
Ela reconheceu seu agressor diante da polícia e ele se dispôs a fazer um
exame de DNA. No entanto esse exame não foi possível. O delegado
seccional, Roberto Martins de Barros, quando a mãe já tinha sido solta,
declarou que o laudo deu negativo porque não havia material no órgão
genital de Daniele: “O estupro houve, ficou comprovado em exame feito
pelos peritos do IML, mas não tem material para fazer o confronto com o
exame de sangue do estudante apontado como autor pela vítima.” O
estuprador usou preservativo e por isso foi tão prestativo em
oferecer-se para que o seu DNA fosse examinado. Segundo Milton Peres, do
Hospital da UNITAU, o acusado foi afastado por 30 dias da universidade.
Na sindicância aberta, negou qualquer relação com Daniele e por isso,
depois desses 30 dias, retomou as atividades normalmente.
Durante esse tempo em que Daniele ficou presa, sua advogada, Dra.
Gladiva de Almeida Ribeiro, sempre chamou a atenção para o fato de que
sua cliente não era usuária de cocaína e de que apenas tinha dado à sua
filha um comprimido anticonvulsivo. Por outro lado sempre também chamou a
atenção para o fato de que o atestado de óbito de Victória apontava
como desconhecida a causa da morte. Nesse período ela chegou a protocolar um pedido de habeas corpus para sua cliente.
Finalmente em 5 de dezembro foi divulgado o laudo definitivo do
Instituto de Criminalística de São Paulo, que excluiu a presença de
cocaína tanto do material colhido na mamadeira de Victória, quanto do
colhido na boca da criança. O pó branco era o remédio anticonvulsivo.
O “monstro da mamadeira” era uma invenção montada por um conjunto de
autoridades para mascarar o crime de estupro. Usando de todos os seus
preconceitos contra pobres e mães solteiras, eles quiseram tornar
“natural” a morte de Victória como um infanticídio. O laudo que excluía a
presença de cocaína havia sido assinado em 22 de novembro pela perita
Mônica Marcondes Felgueiras, de S. José dos Campos, mas só foi divulgado
13 dias depois. É que a Justiça é rápida em prender, porém lenta em
divulgar os laudos que inocentam.
Diante do desmascaramento da “prova” que serviu de peça de acusação
contra Daniele, a Polícia Civil declarou que ainda aguardava os laudos
do sangue, das vísceras e da urina da criança para determinar a causa da
morte. Face a essa evidência o juiz da Vara do Júri de Taubaté, Marco
Antonio Montemor, o mesmo que havia acolhido a denúncia do promotor,
expediu o alvará de soltura de Daniele. Foram 37 dias de prisão,
iniciada com um brutal espancamento de responsabilidade das autoridades
policiais, judiciais e carcerárias.
Ao sair da Penitenciária Feminina de Tremembé, Daniele abraçou seus
familiares e sua advogada, chorou muito e pôde, finalmente, dar a sua
versão dos fatos aos jornalistas. Depois disso pediu para ir ver pela
primeira o túmulo da filha onde depositou flores.
Só depois de Daniele ter sido liberada é que sua advogada, Dra.
Gladiwa de Almeida Ribeiro, contou que nos momentos em que sua cliente
estava incomunicável e podendo sofrer novas agressões, dia 31 de
outubro, ela dirigiu um telegrama ao Ministro da Justiça, Márcio Tomaz
Bastos, solicitando a intervenção da Polícia Federal para proteger a
integridade física de sua cliente, nos termos do artigo 122, parágrafo
1º, da Constituição. Mas não recebeu nenhuma resposta, apesar de ter o
registro de recebimento pela autoridade competente.
A Justiça de Taubaté concedeu a Daniele “liberdade provisória”. O
juiz considerou que outros laudos não iriam mudar o que já estava
esclarecido, ou seja, a ausência de cocaína. Apesar disso o promotor,
João Carlos Maia, autor da denúncia, reafirmou que não pediria a
liberdade da mãe, declarando: “A prisão dela não foi fundamentada
somente pelo exame que mostrou cocaína. O comportamento dela e o
depoimento de testemunhas são suficientes para mantê-la presa.
Aconteceram, por exemplo, várias reincidências de internações, que podem
ser indícios de maus tratos”. Esqueceu de dizer se “indícios de maus
tratos” justificam um indiciamento por homicídio qualificado, tal como
havia feito.
À argumentação desse promotor pode ser contraposto tudo o que Daniele
contou de sua vida nos dias seguintes à sua liberação, em diversas
entrevistas. Quanto à reincidência de internações, ela explicou que ela
própria havia tido na adolescência ataques de epilepsia. Esses ataques
voltaram a aparecer durante a gravidez de Victória, que foi muito
tumultuada, tendo a menina nascida prematura. Aos dois meses também
começou a ter convulsões. A jornalista Laura Capriglione, da Folha de S.
Paulo, constatou ainda que quinze dias antes de morrer a menina passou
por uma consulta no Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, de
São Paulo. Lá se aventou o diagnóstico de uma vasculite cerebral que a
deixava inconsciente por várias horas. O diretor do Pronto-Socorro
Municipal de Taubaté, também professor da UNITAU, Ciro João Bertoli,
tinha conhecimento dessa suspeita e considerava que os medicamentos
indicados poderiam estar piorando o quadro clínico da menina. Ele estava
presente no momento da morte de Victória mas, ao que tudo indica, não
se manifestou sobre o assunto. Perguntado sobre a médica que
imediatamente caracterizou o pó branco como cocaína, não quis se
manifestar. A Secretaria Municipal de Saúde também se esforçava por
preservar a identidade completa da Dra. Érika.
Quanto ao seu primeiro depoimento, Daniele pôde esclarecer que a
polícia a pressionou para assumir o crime, que a impediu de ligar para a
sua advogada e que ela sequer leu o depoimento. Depois da divulgação do
laudo que a inocentava, o delegado seccional de Taubaté, Roberto
Martins de Barros, justificou a atuação da polícia, declarando que a
advogada dela não foi encontrada e que foi chamado outro advogado para
acompanhá-la.
A disparidade de resultados entre o primeiro teste de verificação de
cocaína e o laudo definitivo também provocou polêmica entes os
profissionais que trabalham nas diversas unidades do Instituto de
Criminalística do Estado de São Paulo, que se perguntavam se o Blue Test
tem poder para enviar alguém preso em flagrante, como aconteceu com
Daniele. A utilização desse teste um ano antes, em Taubaté, levou à
prisão uma bióloga por porte de cocaína, quando na verdade ela tinha
apenas comprimidos antidepressivos. E há notícia de mais um caso de
engano.
Por tudo isso a Corregedoria da Polícia Civil abriu um procedimento
administrativo para analisar a conduta da polícia de Taubaté e a razão
da divergência entre os laudos. Entretanto o delegado seccional de
Taubaté, Roberto Martins de Barros, continuou justificando a prisão em
flagrante de Daniele: “Por lei, posso pedir a prisão com base no laudo
preliminar”. No entanto designou o delegado assistente Pedro de Oliveira
Campos Neto para investigar a atuação da polícia. Mas também pediu um
novo teste, de contraprova do laudo definitivo. O resultado dessa
contraprova saiu em meados de janeiro de 2007 e confirmou a ausência de
cocaína no material recolhido.
No meio do seu calvário, enquanto Daniele estava presa, o Conselho
Tutelar de Taubaté retirou-lhe, em 29 de outubro, a guarda de seu filho
maior, de três anos, e entregou-a ao pai. Mas depois de esclarecida sua
inocência essa situação jurídica tendia a se regularizar, uma vez que o
pai só entrou com o pedido de guarda para evitar que a criança fosse
colocada em um abrigo. Pai e mãe estavam, juntos, tentando fazer a
criança se adaptar à perda da irmãzinha.
A advogada de defesa, Gladiva de Almeida Ribeiro, iria pedir o
arquivamento do processo mas esperava a conclusão de todos os laudos.
Posteriormente pretendia também ingressar com uma ação indenizatória
contra o governo do Estado. Até o início de março ela ainda não tinha
ingressado com estas ações. No início de 2007 a Polícia Civil de
Taubaté, de posse dos resultados dos exames toxicológico (urina e
sangue) e anátomo-patológico (vísceras), realizados pelo Instituto
Médico-Legal de São Paulo, descartou oficialmente a hipótese de overdose
de cocaína. As análises identificaram a presença de substâncias
encontradas em remédios tranqülizantes e anticonvulsivos.
Esse caso de flagrante injustiça com graves conseqüências físicas e
psicológicas para a vítima chamou a atenção da opinião pública. Um
leitor da Folha de S. Paulo, Mário Henrique Ditticio, declarou: “Mais
uma vez foi explosivo o resultado da combinação entre uma sociedade
apavorada que ignora os mais básicos princípios democráticos, um sistema
de persecução penal falido e uma imprensa preocupada sobretudo em
faturar com a tragédia alheia. (…) Estado e imprensa praticamente
destruíram a vida de mais uma pessoa inocente”. Para a leitora Débora
Lúcia Martins os nomes dos causadores dessa acusação injusta deveriam
ser divulgados: “Por que seus nomes e fotos não foram mostrados pelo
jornal? Se uma pessoa pobre é acusada de cometer algum crime, ela ganha
foto e nome completo em qualquer matéria ou numa simples nota. Agora,
quando os implicados são médicos, policiais ou, no olhar do jornalista,
pessoas ‘qualificadas’, eles são poupados do constrangimento da
exposição pública”.
Sensível aos detalhes e, eventualmente predisposta a ouvir o lado dos
fracos e oprimidos, a repórter Cristina Christiano, segundo o diretor
de redação do Diário de S. Paulo Bruno Thys, percebeu logo no momento
inicial do caso a possibilidade de erro ao ver o arranjo da casa de
Daniele, com roupas bordadas e detalhes que não combinavam com o perfil
de uma mãe relapsa e assassina. Foi ouvir um toxicólogo que lhe disse
categoricamente que os sintomas (pressão e temperatura baixas,
batimentos cardíacos lentos e sono) não eram os de overdose, mas de quem
tomava antidepressivos, ou seja, o fenobarbital, que efetivamente
Victória usava.
Mais algumas Cristinas no caminho de Daniele teriam evitado a brutal injustiça de que ela foi vítima.
A sanha contra a mãe injustiçada por membros de vários órgãos do
Estado e do corpo médico de um hospital universitário particular e de um
pronto-socorro continuou, apesar de ficar claro que a acusação contra
ela foi forjada. O Tribunal de Justiça de São Paulo negou o Habeas
Corpus para trancar a ação penal em que Daniele é acusada de matar sua
própria filha. Além disso ela vem sofrendo constrangimento ilegal por
parte do juiz da Vara do Júri de Taubaté. A liminar foi negada em abril
de 2007 e confirmada pelo Tribunal em agosto. Assim o sofrimento de
Daniele continua.
Fonte:http://hryun.com/2010/04/01/in-justica-brasileira-caso-do-monstro-da-mamadeira/
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